O título é um plágio declarado de uma obra de Gabriel Garcia Marquez. O ponto de interrogação, esse, é nosso. Mas, por enquanto, podemos ficar descansados. É que nem este texto é uma crónica, somente a reportagem de uma conferência; nem o supply chain management morreu, e já lá vai um mês desde que a Harvard Business Review publicou o artigo “The Death of Supply Chain Management “.
Prestes a inaugurar o seu novo campus junto à praia de Carcavelos, como forma de dar a conhecer as futuras instalações e também a pós-graduação aplicada em Supply Chain Management, a Nova SBE promoveu o evento de fim de tarde “Are we seeing the end of supply chain management?”. O objectivo era claro: levar as empresas e os profissionais a conhecer a sua nova casa – que em Setembro já deverá estar operacional – e, claro, falar sobre os desafios e tendências que se colocam à gestão das cadeias de abastecimento num mundo que, como todos sabemos, já não é o que era e caminha a passos de gigante, comandado pela revolução tecnológica, ainda ninguém sabe exactamente para onde.
Coube ao Professor José Crespo de Carvalho, coordenador académico da Nova SBE Executive Education e coordenador científico da pós-graduação, o papel de elemento agitador com a sua intervenção de abertura “The end of Supply Chain” desencadeada pelo artigo publicado recentemente pela Harvard Business Review (HBR) onde se questiona para onde vai a gestão da cadeia de abastecimento.
Depois da farpa lançada pela conceituada publicação fazia sentido que quem está no terreno tentasse encontrar alguns caminhos e possibilidades de resposta perante a disrupção a que assistimos em todos os quadrantes da economia. Foi precisamente esse o desafio proposto por Crespo de Carvalho ao partir da pergunta “Are we seeing the end of supply chain management?”
“Queremos servir mais, mas queremos reduzir stock através da tecnologia, de tarefas repetitivas e de afinações”. Perante este cenário assume-se determinante dar espaço à automação mas, como frisou o catedrático, “não vale a pena focarmo-nos somente a jusante. Para fazermos melhor temos também que integrar o upstream”, caminhando assim para uma supply chain mais completa e estendida. “Temos que trabalhar a lógica da eficiência, mas também temos que ser eficazes”.
É preciso “correr de forma inteligente e integrada, num espírito de maior partilha e maior lógica integrativa: devemos sempre escolher bem com quem queremos correr”, frisou Crespo de Carvalho numa analogia entre a actual realidade e o que se passa no reino animal.
O coração da operação
A supply chain é o coração da operação das empresas. O que aí vem, segundo ele, é algo diferente: uma constelação de empresas, numa interligação orientada para os serviços. E quer isto então dizer que num intervalo de 5 ou 10 anos a cadeia de abastecimento está “obsoleta”?
Embora quem actua na supply chain saiba que, regra geral, o grande mérito dos “forecasts” é no fim estarem errados, há sempre cenários que se podem traçar.
A revolução tecnológica coloca-nos perante uma cadeia logística “auto-regulada nos workflows”, com “uma gestão end-to-end sem grande intervenção humana” e que com o auxílio da Big Data, real time data e das torres de controlo digital – centros nervosos que passarão a ser o coração das nossas organizações – vai substituir o capital humano por uma fluência de processos autónomos que se auto-regulam, interpretam dados e definem padrões de actuação. Trocado por miúdos: “Vamos passar a motivar robots?!”, diz Crespo de Carvalho ironicamente.
Motivando máquinas ou pessoas, a verdade é que o perfil do supply chain manager vai mudar. E tudo aponta para a necessidade de duas dimensões: uma forte componente tecnológica, mas também que saibam de operações, conseguindo posicionar-se na intersecção entre estas e a tecnologia. Impressão 3D, realidade aumentada, Big Data e as suas análises preditivas muito mais eficazes, a ligação à cloud, novos features e displays… e como lembrou Crespo de Carvalho alguns perguntar-se-ão “para onde vão os meus motoristas?” Com o mundo 4.0 assistimos “a uma autêntica mimetização das nossas funções cerebrais, totalmente focada nos resultados…”, pelo que a pergunta final do professor da Nova SBE só poderia ser: “temos futuro, ou não?”.
Para tentar responder a esta pergunta e abordar alguns dos grandes desafios das actuais cadeias de abastecimento, perante uma plateia numerosa, estiveram com Crespo de Carvalho quatro veteranos no painel de discussão: José da Costa Faria, Director Comercial e de Marketing da GEFCO, Afonso Almeida, CEO da Agro Merchants, Jorge Marques dos Santos, Ex Presidente do IPQ, da APLOG e actualmente no CTCV, e António Belmar da Costa, Secretário Geral da AGEPOR.
Logo a abrir e pegando no tema, Costa Faria põe o dedo na ferida: “o que eu gostava de saber é onde estão os líderes que vão pôr estas três gerações a trabalhar em conjunto!” No seu entender, há “muito ruído intelectual”, embora não negue que “vivemos um momento de grandíssima transformação”, o responsável da GEFCO diz que “não precisamos de dramatizar”. Os progressos tecnológicos estão omnipresentes na evolução e desenvolvimento da supply chain há décadas. E há três princípios básicos que se mantêm inalterados: “em primeiro lugar, a estratégia; em segundo, o planeamento; e, em terceiro, a execução”.
Para Costa Faria, devemos abordar a mudança e a transformação em curso com os pés bem assentes na terra, pelo que aproveitou para lembrar um tema que lhe é particularmente querido e que o preocupa. “Temos tendência para esquecer a dimensão física e a componente humana. A dimensão comportamental é a que vejo menos tratada: como estão a ser formados os líderes do futuro?”.
“o que eu gostava de saber é onde estão os líderes que vão pôr estas três gerações a trabalhar em conjunto!”
José da Costa Faria | Director comercial e de marketing, GEFCO
“Partimos sempre mais atrás”, começou por dizer Afonso Almeida, CEO da Agro Merchants, lembrando que “quando entrei para a área da Logística não existiam pessoas formadas em supply chain”. Por outro lado, “o mundo das multinacionais e o que tínhamos eram muito diferentes”. Esboçando depois um retrato do tecido empresarial logístico, Afonso Almeida lembrou que “95% das empresas têm menos de 10 trabalhadores” mas, ainda assim, conseguem fazer “esforços extraordinários sem grandes recursos financeiros”.
Para o CEO da Agro Merchants “uma das grandes preocupações é a componente da execução. Não é fácil aceder à automação”, especialmente porque “cativar pessoas para a logística continua a ser uma das maiores dificuldades”.
“Uma das grandes preocupações é a componente da execução. Cativar pessoas para a logística continua a ser uma das maiores dificuldades.”
Afonso Almeida | CEO, Agro Merchants
“Estamos perante uma modificação da forma de produzir e de trabalhar”, avançou Jorge Marques dos Santos, para quem “o problema do supply chain management não é diferente do resto. É preciso quebrar paradigmas”. Nenhuma economia vive apenas de serviços, pelo que lançou a questão: “afinal, como criamos riqueza?”. A economia circular coloca enormes desafios e que passam por “novas transformações, novas utilizações…”, o que o levou a afirmar que “a supply chain tem que se centrar nas pessoas. Pensar que a gestão da cadeia de abastecimento vai desaparecer é um caos”. É fundamental assegurar que a tecnologia está ao serviço do homem. A utilização dos meios precisa sempre de gestão e essa tarefa é humana”, concluiu.
“A supply chain tem que se centrar nas pessoas. Pensar que a gestão da cadeia de abastecimento vai desaparecer é um caos.”
Jorge Marques do Santos | CTCV
“Há uma disrupção total e existirão gerações que ficarão fora deste comboio”, afirmou António Belmar da Costa. O secretário geral da AGEPOR acredita no mundo automatizado e reconhece que não lhe é difícil imaginar “aviões sem pilotos e camiões autónomos. Isso irá acontecer, mais tarde ou mais cedo.” Aliás e como sublinhou, “falando no caso do shipping, há no Báltico dois ou três protótipos de navios operados sem pessoas. Podemos dizer que o problema não é cá, mas estamos num mundo global”, lembrou.
Respondendo à pergunta lançada inicialmente ao painel, Belmar da Costa foi perentório: “Se teremos futuro? Uns sim, outros não.”
“No caso do shipping, há no Báltico dois ou três protótipos de navios operados sem pessoas. Podemos dizer que o problema não é cá, mas estamos num mundo global”
António Belmar da Costa | Secretário geral, AGEPOR
Nem sempre da discussão nasce a luz. Que a transformação em curso é algo sem precedentes e com impacto em todos os quadrantes da sociedade, já ninguém tem dúvidas. Certezas? Talvez uma. Não há razões para luto. Enquanto existirem pessoas existirá consumo e o supply chain management, seja em que moldes for, terá um papel determinante. É que para quem está na supply chain a missão continua a ser uma: abastecer.